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quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Percepções sobre o Pequeno Príncipe


Acabei de ler O pequeno Príncipe de Antoine de Saint-Exupéry. Por favor, não me recrimine por ler essa obra apenas agora. Mas estava ocupado demais fazendo outras coisas mais importantes do que ler um livro que me parecia infantil.
Nessa leitura me senti como “essas pessoas grandes que não compreendem nada sozinhas”, onde muitas vezes mato os sonhos de uma criança por achar que não são de grande valor. Refletindo sobre esse texto percebi que deixei que sementes más crescessem em minha vida, não aprendi a separar as rosas dos baobás. Isso tudo porque não fui disciplinado, não me habituei a arrancar todas as manhãs os “baobás logo que se diferenciavam das roseiras.
Como adulto desejei ser rei, mesmo que não existisse nenhum súdito. Mesmo que as minhas ordens fossem razoáveis, não as davam por amor, mas para que a minha autoridade não fosse desrespeitada. Os outros homens eram apenas os meus admiradores, e o que importava não era a amizade verdadeira, afinal, “os vaidosos só ouvem elogios”, não estão prontos para as críticas e questionamentos. Ocupado demais e sério demais os meus novos amigos eram tratados em números: “Qual é a sua idade? Quantos irmãos têm? Quanto pesa? Quanto ganha o seu pai?” Não mais perguntava: “qual é o som da sua voz? Quais os brinquedos que preferem? Será que ele coleciona borboletas”?
Entretanto, hoje descobri que o importante é construir relacionamentos. Ser como uma criança que ama a sua flor por ela ser única, afinal foi essa flor que ele regou, colocou sobre uma redoma e a abrigou com o pára-vento. “Foi essa flor que ele escutou queixa-se ou gabar-se, ou mesmo calar-se algumas vezes”. Aprendi que amizades se constroem a partir do momento que eu consigo cativar quem está ao meu lado, e que cativar é criar laços, e que quando criamos laços, o nosso amigo será único no mundo e eu serei único para ele. E no fim “tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”.
Enfim, se não nos fizermos como crianças nunca entraremos no reino dos céus (Mateus 18,3). Então me permita voltar a ser criança e deixe que eu fale sobre jibóias, elefantes, florestas virgens e estrelas, afinal, “as pessoas grandes são decididamente estranhas, muito estranhas”.

"Só se ver bem com o coração; O essencial é invisível aos olhos” (Antoine de Saint-Exupéry)

De: Régis Pereira (www.regispereira.blogspot.com)
Em http://regispereira.blogspot.com/2009_08_09_archive.html

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.( Marina Colassanti)


A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos e não ver vista que não sejam as janelas ao redor. E porque não tem vista logo se acostuma a não olhar para fora. E porque não olha para fora, logo se acostuma e não abrir de todo as cortinas. E porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, se esquece do sol, se esquece do ar, esquece da amplidão.
A gente se acostuma a acordar sobressaltado porque está na hora. A tomar café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder tempo. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.
A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E não aceitando as negociações de paz, aceitar ler todo dia de guerra, dos números, da longa duração.
A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: “hoje não posso ir”. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisa tanto ser visto. 
A gente se acostuma a pagar por tudo o que se deseja e necessita. E a lutar para ganhar com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagará mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra. 
A gente se acostuma a andar nas ruas e ver cartazes. A abrir as revistas e ler artigos. A ligar a televisão e assistir comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos. 
A gente se acostuma à poluição, às salas fechadas de ar condicionado e ao cheiro de cigarros. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam à luz natural. Às bactérias de água potável. À contaminação da água do mar. À morte lenta dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinhos, a não ter galo de madrugada, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta por perto. 
A gente se acostuma a coisas demais para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta lá.
Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente só molha os pés e sua o resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito que fazer, a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem muito sono atrasado.
A gente se acostuma a não falar na aspereza para preservar a pele. Se acostuma para evitar sangramentos, para esquivar-se da faca e da baioneta, para poupar o peito.
A gente se acostuma para poupar a vida.
Que aos poucos se gasta, e que, de tanto acostumar, se perde de si mesma.